Seleta Poética Francisco Ferreira
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Produção Literária:
- Versos Livres:
Fantasma
N afolha torturada
Letras calcinadas
Vento varreu!
Nem o PO É MAis visível...
No origami abstrato
O cadáver de um poema
Kafikiano, transformado!
Letras surreais...
Na folha em branco
O poeta padece
Emudece.
Folh’alma abatida
Poesia insepulta
Assombra...
- Soneto:
Desilusão de Ótica
Mirando-me num retrato de outrora,
eu cri-me alçado em voo, sem ser alado;
atrelando-me à ilusão do passado
esquecido dos espelhos de agora.
E inebriado assim fui mundo afora
em fantasias, sentia-me remoçado
neste falso delírio acorrentado
que, tão facilmente, a vida devora.
E, em lhe devorando o tempo, cai a venda,
que confunde e mascara a realidade.
Para que o iludido espírito aprenda
sinto no corpo a terrível verdade:
que a ninguém, no decurso desta senda,
é permitido esquivar-se da idade.
- Trova:
Ao final da vida esquiva,
num oceano de saudade,
flutuando à deriva
a náufraga mocidade.
- Indriso:
Vagalhões
Nos mares de hoje
revolta maré
não são os mares de antes.
A vaga que voga
(re)volta e vai...
Terra a Vista!
Que a pá lavra
palavras de sal!
- Microconto:
Uma vez no poder, era hora de passar o país à limpo, reescrever a história. Nunca se viu tanto cassetete de borracha nas ruas, apagando os borrões.
- Poetrix:
Reino de Hades
Em rituais de sangue
minha prece se eleva
ao submundo.
minha prece se eleva
ao submundo.
- Aldravia:
lua
cheia
moça
donzela
lobisomem
espreita
cheia
moça
donzela
lobisomem
espreita
- Crônica:
Playboy Malandro
O malandro se insinua. Para a moça do lado e para a vida. Quer se dar bem em qualquer situação, mas sempre mantendo a linha para não se dar mal. É típico do malandro equipar o seu carro popular com um som maneiro, calotas estribadas e algum acessório que o deixe mais chamativo. Passa horas polindo-o e o tem como o seu bem mais precioso. Uma extensão motorizada de sua própria personalidade.
Já o playboy não sofre destes pobrismos. Seu carrão já vem maneiro e estribado de fábrica e a burra do papai está sempre de prontidão para renová-lo anualmente, ou caso ele o arrebente em poucos meses de desuso. Por isto não lhe faz caso. Playboy não precisa se insinuar, o sobrenome e a conta bancária abrem todas as portas. E, se não forem suficientes, tem-se o artifício da carteirada e do "você sabe com quem está falando?" A moça do lado e a vida é que se insinuam para ele.
O malandro um dia se cansa e arranja um emprego que o deprime, o adoece, mas de que, por pura malandragem, se orgulha. Vê todos os sonhos desvanecer e, à medida em que as forças - ou a falta delas - o impede de malandrear, viaja na bebida ou em outras substâncias menos nobres. Vê, a cada dia, sua barriga e calvície mais insinuantes e só lhe resta insinuar com a morte, mas pelo vício da malandragem, dá-lhes uns dribles.
O playboy, ao contrário, quanto mais velho, mais arrogantemente boçalizado. É o patrão do malandro e paga-o mal, exige-lhe muito e o assedia moralmente, pois em suas veias correm várias gerações de barões e tem o mandonismo no DNA. Também vai se utilizar de muletas emocionais de 12 anos, mas sua amargura não lhe causa amargor, antes amarga a vida dos que o cercam. Vai morrer - segundo os seus - antes da hora, de um mal súbito e sem recurso. No entanto, diferente do malandro, no fundo, acolhe com gratidão a gadanha do ceifeiro
- Conto
Chacina
Dois anos no exterior.
Nenhuma carta, e-mail, telefonema... Sequer uma mensagem!
Retornou.
Há 10 metros de casa o velho telefone público. Discou torcendo para que a mãe atendesse.
_ Mamãe?
_ Vitória? Meu Deus, é você? Estava morta de preocupação com você, já a acreditava morta. Mas se eu disser que sonhei com você hoje, que tinha voltado, você crê? Como você está? Tudo bem? Quando você volta?
_ Sim mamãe, tá tudo bem! E o pai e meus irmãos?
A mãe se sobressaltou. “Vitória, perguntado pelo pai e os meninos. Será que está acontecendo alguma coisa?”
_Ah, minha filha o de sempre. Chegou bêbado e já foi dormir. Os meninos também! Mas se quiser falar com eles, eu os acordo.
_ Não precisa, mamãe. Boa noite!
_ Oh, filha. Depois de dois anos... Não desliga não... – mas já havia desligado.
Márcia ouviu baterem na porta. “Quem poderá ser a esta hora, meu Deus? Só podem ser os vizinhos pedindo alguma coisa emprestada. Nunca devolvem nada. Gente folgada!” – Abriu.
_Vitória? Mas eu falei com você há um minuto???
A moça apontou-lhe com a cabeça o telefone público do outro lado da rua e estendeu-lhe a mão. A mãe não se conteve e aninhou a filha nos braços, soluçando. Coisa estranha aquele abraço, já não se lembrava do contato com a mãe. Esquecera-se das suas formas, do seu cheiro. Aliás, jamais o conhecera. Gente era algo muito estranho e imprevisível. Retribuiu, sem emoção, o abraço.
_ Venha Vitória. Vou acordar o seu pai e os meninos. Eles hão de querer vê-la!
_ Não precisa, mamãe. Amanhã os vejo. Minhas coisas ainda estão no meu quarto? Tô com sono. Vou me lavar e dormir.
_ Mas o que é isso, menina? Vou esquentar a janta, você deve estar com fome.
“A mesma conversa fiada de sempre. Com ela ou com os irmãos era sempre a mesma coisa. Para a Velha Sádica bastava que os alimentasse com a sua comida requentada e sem tempero, feita sem nenhum amor e estava tudo bem! Desde que cozinhasse a comida chorada que o Velho Ordinário colocava dentro de casa e estava tudo bem. Desde que houvesse pão para os seus, o circo é que se danasse. E que se danassem todos aqueles que desejassem dela, algo mais. Isso já não bastava?
_ Estou sem fome, não precisa. Obrigada, mamãe...
_ Está bem. Você deve mesmo estar cansada. Ouvi dizer que no exterior vocês trabalham feito burro. Igual a escravos, que não tem tempo para nada. Você tá parecendo muito mais mirrada do que quando saiu daqui, mas deve ser a vida que tá levando, né mesmo? Mas agora que você tá aqui, vai recuperar as carnes e as cores rapidinho. Já já e tá corada de novo.
“Ah! A Velha Sádica destilando seu veneno. Pobre coitada. Quanto está enganada, mas se lhe faz bem, deixarei que pense deste jeito.”
_ Pois é, mamãe, vá dormir, amanhã a gente se fala mais. Vai descansar... – um sorriso desdenhoso bailou no rosto de Vitória. “Vai descansar!”
Deitou-se sabendo que não iria dormir. Tão surreal aquela situação. Sentia que nunca fez parte daquilo, embora estivesse no seu quarto. O mesmo velho quarto, rodeada de suas velhas coisas, como em mais de vinte anos de sua vida. O guarda-roupa de portas amarradas e caindo para um lado; as mesmas bonecas mutiladas e de segunda-mão; a mesma cama barulhenta e fedendo a naftalina. Tudo igual! O que então não condizia, estava fora do lugar? O que, naquele contexto, diferia e não se encaixava? Desde os cinco anos dormia sozinha naquele cômodo minúsculo e cheio de goteiras. Quente feito o inferno no verão e, no inverno, gelado. Desde que a mãe surpreendera Rildo a observando enquanto dormia, se masturbando. “Aquele porco!” Foi a primeira e única vez que a Velha Sádica saiu de sua letargia e tomara o seu partido. O menino ficou andando com dificuldades durante uns três dias, resultado da tunda de cabo de vassoura. O Velho Ordinário admoestou o filho, rindo:
_ Qualquer uma. Mas sua irmã, não!
Mas surrou-a para que ela “tomasse modos de moça e não provocasse os rapazes!” Cinco anos! O que ela poderia saber?
Só poderia ser isto que não se encaixava: a ausência do medo. Não obstante ao nojo que nutria pela família, não havia mais medo. “Que sensação maravilhosa é não sentir nenhum medo. Não me sobressaltar e tremer a cada barulho vindo do interior desta toca suja, a que chamam de casa.” Já que os barulhos do exterior jamais a preocuparam ou assustaram! “Eu poderia entrar no quarto de qualquer um deles e gritar: eu não tenho mais medo de vocês, ouviram? A nenhum de vocês. Nem ao Velho Ordinário, nem ao Porco do Rildo e nem ao Gílson, esta víbora mesquinha!” mas a hora ainda não chegara. Era muito cedo.
Era cedo para acordá-los com seu desabafo tardio e inoportuno, mas para matá-los, era precisamente o momento.
Na manhã seguinte, já longe dali, da família, apenas as manchetes do jornal.
- Haicai
Chuva no telhado.
A um canto, ronronar suave.
Preguiça de gato.
- Cordel
Macumba
Estando enferma a Tereza
numa piema de dar dó,
pensou quase com certeza
ser mandingas da sua vó
velha de grande aspereza
e amarga feito jiló
resolveu ir numa firmeza,
em casa do Zé Timbó
para arriá a bambeza
e nos males dar um nó.
Disse; “– Mas quanta nobreza
tem o amigo Timbó
faz trabaio para a pobreza
sem cobrar um tostão só”.
Mas o que parecia esperteza
foi tolice ainda maió
pois ficou a pobre Tereza
ainda muito mais pió,
dali saiu foi preza
nas garras do tal Timbó
que fez tanta marvadeza
que a moça ficou bocó.
Hoje vive na tristeza
é de dar pena, de dar dó.
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Perfil do Autor
https://academiavirtualbrasileiradetrovadores.blogspot.com.br/p/membros.html
Francisco Ferreira - nome artístico de Francisco Petrônio Ferreira de Oliveira, natural de Tapera (distrito de Conceição do Mato Dentro - MG), que escreve "desde sempre", mas só em 1999 participou do primeiro concurso literário, obtendo Menção Honrosa no II Concurso Carlos Drummond de Andrade de Poesias (Jacutinga - MG). De então vem acumulando classificações em concursos no Brasil, Portugal e Itália, hoje já são mais de quinhentas (considerando cada poema classificado individualmente), com destaque para: Primeiro Lugar (IV Prêmio Artez de Poesias - SP 2003; IV Prêmio Missões de Literatura - RS 2003; Novos Talentos da Literatura Evangélica - RJ 2004, I Concurso Literário do blog Diário de Um Demônio Apaixonado - 2011). Faz parte de mais de uma centena de antologias, que o próprio poeta destaca como mais relevantes as (Poesias.com I e II - RJ 2011 e 2013 e Concursos Literários 2003 do Governo do Estado do Paraná). Escreve frequentemente em sites e blogs literários de Portugal, Chile, Argentina, Peru, Venezuela e Espanha.
É acadêmico titular da Academiae Litteraria Lima Barreto (RJ), Ordem da Confraria dos Poetas (RS), Associação de Autores de São Luiz Gonzaga (RS), Arcádia Brasílica de Artes e Ciências Estéticas (RJ), Real Academia de Letras (RS); acadêmico correspondente da Academia Cachoeirense de Letras (ES), Academia de Letras, Música e Artes de Salvador (BA). Pertence ao Poetas del Mundo.Academicus Praeclarus do Clube de Escritores de Piracicaba (SP), Delegado da União Brasileira de Trovadores para Conceição do Mato Dentro, pertence também a União Brasileira dos Escritores.
Escreve poemas, contos, sonetos, trovas e crônicas, além de administrar o blog literário Impalpável Poeira das Palavras com mais de trinta e oito mil visualizações em dois ano e meio e o blog Notas Dissonantes em Partitura Precária, recém-criado.
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Amigo Antônio Cabral,
ResponderExcluirSó tenho a te agradecer!
Desse espaço virtual,
que me deu para escrever!
Aurineide Alencar